Rafael Prata
Um dia desses, como outro
qualquer, saindo do trabalho, me deparo com uma aglomeração de pessoas na base
do prédio do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas (TRT 15), portando
cruzes de madeira e faixas de protestos contra a Shell e a Basf.
Como um relâmpago, veio na minha
memória uma história que acompanhei de perto e que me marcou profundamente.
Mas, não era possível que eu estivesse ali, vendo tudo de novo, depois de
tantos anos... Aliás, quantos anos mesmo? Oito? Nove? Não, 10 anos!
E que misto de sentimentos era
aquele que num instante invadiu meu peito? Estaria eu incrédulo, sem acreditar
que pudesse se tratar do mesmo drama? Será que era indignação e ódio porque, no
fundo, só podia ser o “Caso Shell/Basf” se arrastando ainda, ceifando mais
vidas?...
Um senhor se aproximou e me
entregou um panfleto: 61 mortes, 4 só naquele mês... Sim, era o que eu temia.
Há 10 anos, recém-formado em
jornalismo, fui convidado pelo Sindicato dos Químicos de Campinas a fazer um
vídeo sobre a contaminação provocada por duas multinacionais que afetou os
trabalhadores e o meio-ambiente.
O objetivo era apresentar a
denúncia numa dessas Conferências da ONU, afinal, as substâncias químicas
manipuladas pela Shell (e, posteriormente, pela Basf), de 1975 a 2001, para
fabricação de agrotóxicos, já constavam na lista de poluentes proibidos
internacionalmente. O vídeo foi produzido, cumpriu seu intuito e, claro, nenhum
setor da ONU encaminhou coisa alguma. Até aí, nenhuma novidade.
Acontece que, para fazer o vídeo,
participei de diversas reuniões e atividades com os ex-trabalhadores da
Shell/Basf, que se organizaram para lutar por suas vidas, para provar que
estavam contaminados por conta do trabalho que fizeram e para exigir das
empresas o pagamento das despesas com saúde até a hora de suas mortes e para
seus familiares que também foram afetados.
Não só participei e filmei o que
precisava, mas tomei conhecimento do drama que aqueles trabalhadores estavam
passando, muitos já com diagnóstico de câncer e outros com tumores já
desenvolvidos e sem recursos para o tratamento.
Ouvi suas histórias, suas
dificuldades diárias para conseguir cuidar da própria saúde, o trauma
psicológico que sentiam pelo receio de terem contaminado os filhos, etc. Alguns
me mostravam fotos de como eram saudáveis no passado, na ânsia de provar como o
câncer havia evoluído em tão pouco tempo...
Tudo isso voltou em mim, de uma vez só, naquele dia em que passei pelo prédio do TRT 15. Alguns daqueles que entrevistei, com certeza, estavam simbolizados e homenageados pelas cruzes que seus companheiros portavam.
Já um pouco mais refeito da
lembrança, presto atenção na conversa iniciada com o senhor do panfleto e
outros que estavam próximos. Eles atualizaram a questão pra mim, o que haviam
conseguido da Justiça até então e que estavam lá porque a Shell/Basf continuava
a recorrer das decisões anteriores. Em seguida, demonstro minha admiração pela
luta que persistia, fiz votos para que continuassem com a mesma coragem para
seguir adiante e me despedi.
Dias depois, recebo um e-mail do
Sindicato dos Químicos, explicando que naquele mês, os companheiros da
Shell/Basf além de protestarem no TRT 15, reclamaram no Ministério Público do
Trabalho (MPT) de Paulínia a inclusão de mais duas centenas de ex-trabalhadores
que não estavam contemplados numa decisão judicial de 2010, que obriga as
empresas a fazer a “cobertura de consultas, exames, de todo o tipo de
tratamento médico, nutricional, psicológico, fisioterapêutico e terapêutico,
além de internações em favor de todos os trabalhadores, autônomos e seus filhos
(…), mediante a apresentação pelos beneficiários habilitados de documentos que
comprovem suas necessidades”.
O e-mail trazia ainda links para
reportagens que foram veiculadas pela mídia (segue abaixo), por ocasião desses
10 anos de luta pela vida de, pelo menos, mil e cem trabalhadores e seus
familiares que estão resistindo contra dois conglomerados bilionários do ramo
químico internacional, que pouco se importam em explorar e matar os que, de
fato, produziram e produzem a riqueza dessas companhias.
Afinal de contas, essa é a regra
do capital em sua fase imperialista. Mas, essa verdadeira lei da exploração e
da pena de morte para os trabalhadores, que se expressa da maneira mais cruel
sobre os companheiros da Shell/Basf, também está fadada a encontrar o juízo
final: a unidade, a resistência e a mobilização da classe trabalhadora.
Reportagem do Jornal da Cultura: http://www.youtube.com/watch?v=oE1pRY3KqRI&feature=plcp
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