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6 de outubro de 2011

Crônicas Operárias: Rodoviários do ABC, uma história de Luta.

Transcrito por: David Zamory Cukiermans Adão

Motoristas e cobradores em greve no ABC  

Em junho deste ano (2011), os trabalhadores rodoviários do ABC (Motoristas e cobradores de coletivos) fizeram uma greve de três dias, apesar de sua pouca duração ganhou repercussão nacional. Isso demonstra como esse setor é importante para a economia e consequentemente pode pesar a favor dos trabalhadores em um processo revolucionário, como o Soviet dos ferroviários pesou a favor dos trabalhadores na revolução russa em 1917.

Esse é um bom momento, para relembrar a história de luta dessa categoria tão aguerrida e tão sofrida. Resgatar sua história, em um momento onde não ocorrem grandes greves no ABC serve como reflexão e ensinamento para as futuras batalhas que virão.

Em entrevista ao Documentário “20 anos da quebra do silêncio” de 1998, o ex-presidente do Sindicato dos Rodoviários do ABC, Josias Adão, conta um pouco dessa história que segue editada abaixo.

Parte I

Em 1977, no bojo de todo aquele renascimento do movimento sindical na região, o movimento que havia sido, como em todo o país, esmagado pelo golpe militar de 64, ressurgiu na categoria dos trabalhadores em transportes rodoviários. Era um movimento que visava realmente sacudir toda aquela inércia que existia nos sindicatos, porque na verdade os trabalhadores rodoviários, assim como outras categorias, nem sequer conheciam o que era sindicato. Na verdade o sindicato era apenas um rótulo, não havia a mínima atividade sindical, a gente só sabia que existia sindicato mensalmente quando aparecia um desconto de alguma coisa, e falavam prá gente que era uma mensalidade de sindicato.

Em março de 1978, através desse movimento que estava surgindo, nós paralisamos uma empresa aqui em S. Bernardo, a Auto Viação ABC. Surgiu então um movimento nessa empresa que rapidamente se espalhou para outras.

Então mesmo sob violenta repressão, nós nos dirigimos à sede do sindicato, tentando com que ele realmente intermediasse alguma coisa. Nós simplesmente paralisamos a empresa, mas os representantes, os donos das empresas não aceitaram conversar com ninguém. O que eles fizeram foi chamar a polícia e ela passou a reprimir o movimento. A porta do sindicato foi fechada pra nós. Não conseguimos sequer entrar no prédio onde ficava a sede,a diretoria determinou que as portas fossem fechadas. E nós ficamos lá, um grupo de manifestantes na porta do sindicato, cercados pela polícia que passou a espancar e agredir o pessoal. Então, a única forma, na hora h, que a gente viu para nos manifestarmos foi reunir o grupo e cantar o Hino Nacional, tentando sensibilizar os policiais. Isso realmente não adiantou nada, a pancadaria acabou se espalhando por todo o centro da cidade.

Nós acabamos nos refugiando num local que na época abriu as portas prá gente, a igreja de Vila Palmares.  O Padre Rubens, que era o pároco lá dessa igreja, recebeu o pessoal, abriu o salão paroquial da igreja. Então a gente começou a dar os primeiros passos no sentido de nos organizarmos para reivindicar alguma coisa.

Até então, a gente sequer se colocava como oposição, mesmo porque para a maioria do pessoal, não existia esse negócio de que trabalhador também podia assumir a direção do sindicato. O pelego que dirigia o sindicato já estava há mais de 20 anos lá, e ele tocava a entidade como se fosse propriedade dele.

Foi a partir desse apoio que a gente recebeu que começamos a nos organizar, conseguimos manter a greve por alguns dias e no final houve uma pequena concessão salarial por parte das empresas e os trabalhadores retornaram ao trabalho. Mas eu e praticamente toda a liderança do movimento fomos demitidos. Mas a gente já havia aprendido que realmente o caminho seria a organização e a mobilização. A partir daí a gente realmente começou a se articular como oposição sindical. Passamos a desenvolver um trabalho de mobilização em toda a base do sindicato que comporta todos os municípios da região do ABC. Passamos a desenvolver esse trabalho e contamos com o apoio inclusive do bispo diocesano daqui da região, na época, o D. Cláudio Hummes e de alguns movimentos, outros sindicatos, como o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o pessoal da oposição sindical de S. Paulo. A gente começou nos articular dentro do movimento, como oposição e desenvolvendo um trabalho de base dentro da categoria.

Mas as perseguições não faltaram. A gente tinha geralmente conosco os companheiros que se aproximavam e que atuavam na oposição. Uma boa parte desse pessoal foi demitida. As pessoas, que na época estava mais à frente da luta, não arrumavam emprego e a gente vivia até de caridade. Contávamos com o apoio do movimento até para conseguir garantir o sustento da família. A gente não conseguia arrumar emprego. Nas empresas de ônibus as portas estavam definitivamente fechadas para nós pela Associação das empresas, não entrávamos mesmo, vez ou outra a gente conseguia uma transportadora, então a gente trabalhava dois, três meses lá, com caminhão, com a perua, dirigindo de tudo. Mas quando a gente era identificado como da oposição acabava sendo demitido. Esse processo foi se arrastando. Mas nós, realmente, apesar de tudo isso, mantivemos a mobilização e o contato dentro do movimento.

Na verdade a gente tinha como princípio de oposição realmente o trabalho de base. Lógico que a questão de assumir a direção do sindicato ara ter até aquela representação legal para a categoria estava colocada, mas era em um plano secundário. A gente tinha claro que o grande problema dos trabalhadores era a estrutura sindical como um todo que prestava serviço da ditadura e do patronato, então, não bastava simplesmente assumir o sindicato, a gente tinha que realmente desenvolver todo um trabalho de mobilização para que os trabalhadores passassem a se sentir, eles mesmos como sindicato, para desenvolver de fato as lutas da categoria.

O que acabou surgindo na época foi uma nova proposta que passou a ser discutida em todo o país, uma nova proposta de nova estrutura sindical. E a gente, embora não tivesse o aparelho do sindicato, estava dentro dessa nova concepção de sindicalismo que estava surgindo.

Apoiados pela representatividade que a gente havia conquistado junto à categoria, a gente contribuiu com todo esse movimento de oposição à estrutura sindical que se desenvolvia no Brasil todo. Com o ANAMPOS (Associação Nacional do Movimento Popular e Sindical) com o ENTOES (Encontro Nacional dos Trabalhadores em Oposição a Estrutura Sindical).

Embora não fossemos direção legal do sindicato, passamos a ser direção da categoria e aí começamos a colocar a pelegada na parede, até que eles foram obrigados, até mesmo por algumas medidas judiciais que a gente conseguiu fazer, a marcar eleições no sindicato, mas eleições de verdade, porque no processo no qual eram realizadas as eleições no sindicato eles simplesmente colocavam um livro dentro da sede, num local qualquer, e para todo associado que passava por lá, eles falavam: “Você assina aqui que é prá melhorar os médicos, que é prá melhorar o dentista, e coisa e tal...”, e o associado assinava o livro na boa-fé. Depois eles preenchiam a Ata e se empossavam novamente, e tudo bem, tudo continuava da mesma forma. 

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