No dia 10 de maio Dilma
Rousseff nomeou os sete membros da Comissão da Verdade. De acordo com o Projeto
de Lei (PL) os integrantes da comissão têm dois anos para "examinar e
esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas entre 1946 e
1988”. O trabalho da comissão, como afirma o Projeto, não é julgar ou
punir os violadores, mas apenas investigar e produzir um relatório que
esclareça a “verdade histórica”. [1]
Este
prazo já desvenda certas intenções desta Comissão. Investigar 42 anos de
história em dois anos é praticamente impossível. Mas, isto tem uma razão de
ser. Assim se tira o foco dos “anos de chumbo” da Ditadura militar brasileira.
Esta Comissão da Verdade é fruto de um acordo para colocar uma pedra sobre o
passado e os crimes da Ditadura. Um acordo de “conciliação” de torturados com
torturadores, de perseguidos e perseguidores, de oprimidos e opressores.
Como escreve a jornalista Consuelo Dieguez na revista Piauí, de janeiro de 2012, “... um acordo entre o governo e a cúpula das Forças Armadas, e entre o PT, o PSDB e o DEM, impede que a Comissão da Verdade julgue militares e policiais que torturaram, mataram e desapareceram com corpos durante a ditadura.”
Como escreve a jornalista Consuelo Dieguez na revista Piauí, de janeiro de 2012, “... um acordo entre o governo e a cúpula das Forças Armadas, e entre o PT, o PSDB e o DEM, impede que a Comissão da Verdade julgue militares e policiais que torturaram, mataram e desapareceram com corpos durante a ditadura.”
Ela
explica: “José Genoíno trabalhou no projeto junto com Nelson Jobim, então
ministro da Defesa e o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas,
general José Carlos de Nardi. “Sistematizamos uma série de leis de comissões da
verdade para levar aos deputados”, contou. As primeiras reuniões foram com os
líderes da oposição: Antônio Carlos Magalhães Neto, do DEM; Duarte Nogueira, do
PSDB, e Rubens Bueno, do PPS. O DEM, que tinha mais resistências à criação da
comissão porque muitos dos seus integrantes apoiaram o regime militar, aprovou
a proposta. As negociações foram mais fáceis com o PSDB porque o projeto
contava com a simpatia do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de quem
Jobim tinha sido ministro da Justiça”. Finalmente a Comissão da Verdade foi
aprovada por unanimidade tanto na Câmara quanto no Senado, por meio de um
acordo dos líderes de todos os partidos.
Criada
pela pressão social esta Comissão negociada na penumbra com os que deveriam ser
investigados, os militares mandantes e torturadores que deram o golpe de estado
em 31 de março de 1964 e mergulharam o país em 20 anos de terror e
super-exploração, esta Comissão foi feita para enterrar a verdade.
O que não
quer dizer que seja este de fato o seu resultado final. Isso vai depender da
luta dos militantes socialistas e democráticos e suas organizações para impor o
verdadeiro objetivo da classe trabalhadora e juventude: enterrar a Ditadura
Militar punindo todos seus organizadores, mandantes, torturadores e desmantelando
seus órgãos de repressão mantidos praticamente intactos até hoje como as
Policias militares, Agencias de inteligência e de repressão como a ABIN e os
serviços de inteligência da Aeronáutica, Exército e da Marinha, respectivamente CISA - Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica, CENIMAR - Centro de Informações da Marinha, e CIEx - Centro de Informações do Exército.
Na
verdade a criação desta Comissão se acelerou após começarem a ser reabertos
casos judiciais contra torturadores por familiares dos perseguidos políticos. A
situação estava insustentável. O Estado brasileiro havia sido condenado, por
causa da Ditadura Militar, na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização
dos Estrados Americanos (OEA). Esta condenação teria consequências internacionais.
A mesma jornalista relata: “No dia 14 de
dezembro (de 2010, nota da EM), divulgou-se a sentença. Por unanimidade, a
Corte condenou o Estado brasileiro por graves violações aos direitos humanos. E
chegou a vinte conclusões. A primeira delas é que as disposições da Lei de
Anistia brasileira que impedem a investigação de graves violações aos direitos
humanos são incompatíveis com a convenção da OEA. Portanto, não poderiam
continuar a ser obstáculo para a investigação não só dos desaparecidos no
Araguaia como também de todos os outros casos de tortura e mortes. Determinou
que o Estado brasileiro conduzisse “eficazmente” uma investigação penal dos
fatos e punisse os responsáveis. A Corte decidiu, ainda, que supervisionaria o
cumprimento da sentença. E deu o prazo de um ano para que o governo informasse
sobre as providências que estariam sendo tomadas.” (Revista Piauí,
janeiro/2012). Então criou-se uma Comissão para enterrar a verdade.
Sua
composição expressa exatamente este objetivo. Supostamente Dilma Rousseff
utilizou o critério de “reconhecida idoneidade e conduta ética,
identificados com a defesa da democracia e institucionalidade constitucional,
bem como com o respeito aos direitos humanos", como requer o PL, aprovado
pelo Congresso Nacional, para compor a Comissão. Mas, isto não se
sustenta quando se vê a composição desta Comissão e o fato de em sua primeira
reunião eleger para Coordenador o ministro do Superior Tribunal de Justiça
(STJ), Gilson Dipp, que já havia declarado que “temos a Lei da Anistia. A
comissão não terá caráter jurisdicional nem persecutório, mas entendo que, se
nós recuperarmos toda essa memória, buscaremos a verdadeira reconciliação
nacional”. Ele afirma que a atual Lei em que os próprios militares se auto
anistiaram é justa porque houveram excessos dos dois lados, igualando os
carrascos com as vítimas.
Em
21/05/2010, Gilson Dipp compareceu como perito do Estado brasileiro na
audiência da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA para defender a Ditadura
Militar das acusações de torturas e mortes. Onde está a “reconhecida idoneidade
e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e institucionalidade
constitucional, bem como com o respeito aos direitos humanos" quando o
defensor dos torturadores é o coordenador da comissão?
Outro
integrante é José Carlos Dias, ex-ministro de FHC, que já declarou que a
Comissão precisa investigar “os dois lados”, o que contraria a lei que fala em
apurar mortes e torturas cometidas pelo Estado brasileiro. E foi José Carlos
Dias o escolhido para falar em nome da comissão no dia de sua instalação.
Os
integrantes da Comissão receberão salário de R$ 11,2 mil e terão uma assessoria
com 14 servidores podendo continuar durante estes dois anos a morar cada um em
sua cidade e tocar seus atuais negócios. Uma farsa, se depender da própria
Comissão e de todos os conciliadores no Congresso e no governo.
Memória da Ditadura Militar
A
Ditadura de Getúlio Vargas foi derrubada em 1945, no auge da crise
revolucionária que tomou conta do mundo após a II Guerra Mundial. Após quase 20
anos de “democracia”, na qual a classe trabalhadora mostrou seus músculos nas
greves, na campanha “O Petróleo é Nosso”, que conquistou a Petrobras, e exigia
suas reivindicações (deformadamente, mas através de um grande movimento de
massas pelas “Reformas de Base”), a burguesia brasileira, sem base social de
massas se apoia no Exército e articulada e organizada pela CIA implantou uma
Ditadura Militar para sufocar este movimento.
A
ditadura militar que se instaura com o golpe de 1964 foi organizada e preparada
pelos EUA. Assim como em diversos países do mundo (Indonésia, América Latina,
etc.) os militares receberam “treinamento” nos EUA aonde aprenderam desde a
técnica de preparar um golpe (militar e politicamente) até a parte de como
governar em prol dos capitalistas. Após o golpe, durante 4 anos (até 1968) a
ditadura foi questionada nas ruas, escolas, universidades, fábricas, com greves
e manifestações. Em 1968, com a derrota da revolução no mundo (França e
Tchecoslováquia) a ditadura se “fecha” e instala seu período mais negro, aonde
prisão, tortura e mortes eram cotidianas. Instala-se uma feroz censura e
repressão. Intervenção nos sindicatos.
Os
filhotes da ditadura e os ideólogos da burguesia querem apresentar o período da
Ditadura como se tivesse havido uma “guerra civil” onde “tudo é
permitido”. Mas a verdade é que a guerrilha no Brasil não passou de poucos,
muito poucos “iluminados” sem nenhuma base real de massas. Sim, os jovens que
enveredaram por este caminho, a maioria foi morta. Mas foram torturados e
mortos camponeses, operários, estudantes, professores, religiosos, jornalistas.
Mas a
nível mundial as condições que criaram as ditaduras da América Latina estavam
chegando ao fim: o imperialismo dos EUA foi derrotado no Vietnam, as greves e
manifestações espalhavam-se pela Europa do Leste, particularmente na Polônia e
na América Latina as ditaduras de Somoza na Nicarágua, Videla na Argentina,
caiam como folhas ao vento. No Brasil, as greves estudantis e manifestações
ressurgiram no final dos anos 70 e a elas se incorporavam as greves operárias
do ABC. O PT e a CUT começavam a ser construídos, a UNE ressurgia das cinzas.
Nas ruas,
nas manifestações de massa, as palavras de ordem ressoavam: “Brasil,
Polônia, América Central, a classe operária é internacional”, “Anistia ampla,
geral e irrestrita!”, “Liberdade para os presos políticos, volta dos
exilados!”.
A troca
do general de plantão leva ao poder Figueiredo que, questionado nas ruas,
aparecia como um bobão e não como o mandante e ditador que era. É nestas
condições, que o Congresso bastardo e controlado, com maioria artificial da
Arena (partido do sim senhor) se aprova, em conluio com a “oposição” consentida
do MDB a chamada lei de anistia, que anistiava torturadores e torturados.
A base da
lei é a base que hoje reclamam os ex-integrantes e defensores da ditadura como
Sarney, Collor e tantos outros: havia uma guerra “suja”, uma guerra “civil” e
excessos foram cometidos de ambos os lados, sendo que a “esquerda” teria matado
mais de 100 pessoas.
Este argumento é totalmente falso: nunca tivemos um estado de guerra civil. A maioria dos torturados e mortos, como o deputado Rubens Paiva, o operário Manoel Santos Filho, o jornalista Vladmir Herzog e tantos outros nunca foram guerrilheiros. Eram operários e estudantes que foram presos e torturados porque não concordavam com a ditadura e apenas isto. A lei de “anistia recíproca”, na verdade, anistiava os torturadores no momento em que as manifestações de massa arrancavam os presos políticos das penitenciárias e garantia a volta dos exilados. Era um compromisso com a oposição leal para impedir o julgamento de torturadores e dos mandantes. Sim, porque havia, como em todo exército uma cadeia de comando muito bem estabelecida.
Uma Comissão de União Nacional com a
Ditadura e a burguesia
Ao dizer
que a Comissão irá retratar o período como uma “fotografia” e que irá contar a
história sem preconceitos e viés ideológico, Paulo Sérgio Pinheiro, um dos
membros da Comissão, atualmente presidente da Comissão Internacional
Independente de Investigação da ONU para a Síria, demonstra de maneira clara as
limitações de sua “verdade histórica”. Não querem mexer na ferida causada pela
ditadura.
Prova
disso é a participação de todos os ex-presidentes na cerimônia de criação da
Comissão da Verdade. Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Collor de Mello, José
Sarney e Fernando Henrique Cardoso. Todos demonstraram unidade sobre criação e
a tarefa que a Comissão da Verdade irá desempenhar.
Fernando
Henrique Cardoso afirmou, em declaração publicada pelo G1, que Dilma tratou a
questão como se deve. Segundo ele, a comissão da verdade é uma questão de
estado, não de governo. Lula disse ser um importante passo. Collor se
“emocionou” com o discurso da presidenta e afirma que o Brasil se encontra no
momento ideal para a “verdade vir à tona”.
O fato é
que a comissão da verdade é um reflexo da atual política de coalizão do Partido
dos Trabalhadores com a burguesia. Preferem se apoiar nos partidos da direita e
não na classe trabalhadora e na juventude. Muitos apoiadores do governo, como
Maluf e Sarney fizeram parte do governo ditatorial e, como governadores,
fizeram parte dos mandantes que ordenaram torturas e mortes.
Se a
“Comissão da Verdade” por sua composição, limites e objetivos não tem condições
para reestabelecer a verdade histórica, o fato é que hoje se retomam as
mobilizações para exigir a punição dos torturadores e dos mandantes. Nós, da
Esquerda marxista, continuamos a luta pela revogação da Lei de Anistia
Recíproca, a revogação da Lei de Segurança Nacional (que continua a existir
como espada na cabeça de militantes e dos movimentos sociais), ao
desmantelamento do aparelho repressivo que continua a existir (o antigo SNI foi
transformado na atual ABIN, continuando a subsistir), a abertura dos arquivos,
a apuração de todas as mortes e de onde estão os corpos dos mortos, o
julgamento e punição dos torturadores e de todos os mandantes e dirigentes da
Ditadura Militar.
Nós
participamos e incentivamos todas as manifestações de massa que denunciem
torturadores e mandantes e, ao mesmo tempo, incentivamos e participamos de
Comissões da Verdade que se criem em universidades, sindicatos e outras
entidades do movimento popular. Esse é nosso compromisso como lutadores pela
causa da liberdade e do socialismo.
01/06/2012
Comissão
Executiva da Esquerda Marxista
[1] Os integrantes da comissão são Gilson Dipp, ministro do Superior
Tribunal de Justiça (STJ); José Carlos Dias, advogado e ex-ministro da Justiça;
Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada; Cláudio Fonteles, ex-procurador-geral da
República; Paulo Sérgio Pinheiro, sociólogo; Maria Rita Kehl, psicanalista; e
José Paulo Cavalcanti Filho, advogado.
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